sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

A internet é ou não é direito humano?





Ontem Vinton Cerf escreveu um artigo no New York Times, que mexeu com a cabeça de metade da web. O cara, que simplesmente é o criador da internet e vice-presidente do Google, disse, contrariando a ONU, que “a internet não é um Direito Humano”.


René de Paula está a frente de grandes empreendimentos da internet há mais de 15 anos e tem moral pra falar sobre isso. Veja a opinião dele e aproveita pra refletir mais um pouquinho ;-)



A TORTOS E DIREITOS


por René de Paula



Minha sexta-feira começou ensolarada, com direito a todos os pequenos rituais que a gente cria com o tempo e com carinho. Como ontem, anteontem e sempre, depois do café eu e minha mulher nos sentamos ao sol para lermos juntos o Estadão, jornal que, aliás, continua sob censura, pasmem.


No Estadão encontrei o Vint Cerf, que eu já tinha tido a honra de encontrar em carne e osso (no caso dele muito osso, pois o velhinho é enxuto) num evento engravatado anos atrás. Digo que foi uma honra conhece-lo porque o cara é nada mais nada menos que o pai da internet, ponto. Sem o tal do TCP/IP o Berners-Lee, muito mais popular pelos Campus Party da vida, não teria inventado a web, que é apenas um dos aspectos da internet.


Internet, Direitos Humanos, Cerf… fiquei intrigado e li. Li com deleite crescente e ao final comentei com minha mulher: “que bárbaro, mesmo sendo o pai da internet ele teve a humildade e a lucidez de não puxar a brasa pra própria sardinha”. Terminamos as leituras, fui pro meu PC, encontrei a notícia na internet e compartilhei por twitter e facebook. Para minha alegria, me convidaram para comentar a respeito.


Minha posição é clara e serena: concordo com o velhinho. Internet é um meio técnico, assim como caneta, papel, fitas de vídeo, o jornal impresso, ondas de rádio, etc. etc., e como meio técnico ela não tem vida própria, ela não tem natureza própria, ela não diz nada.


Tem gente usando internet pra dar golpes em velhinhas assim como tem gente usando a tampa da caneta pra tirar cera do ouvido. Tem governo ditatorial usando a internet pra espionar desafetos assim como a Coréia do Norte coloca um alto-falante em cada casa corneteando propaganda do governo o dia inteiro.


Se formos dizer que internet é um direito humano então vamos ter que fazer uma lista enorme pra incluir jornais, cartazes, samizdat, panfleto, radio AM, FM, celular, SMS, bilhetinho, pichação, trio elétrico, nem sei mais o quê.


Direito Humano, pra mim, é liberdade de ir e vir, liberdade de credo, liberdade de expressão, tudo isso seja em que meio for, inclusive os futuros. São esses Direitos, aliás, que nosso governo (e o da Argentina, da Venezuela, do Egito, e de mais um montão de “democracias”) estão currando todo santo dia sem que ninguém se comova.


Que geração é essa que se preocupa mais com o acesso ao facebook do que com o Estadão censurado, a Argentina nacionalizando o papel-jornal para estrangular a imprensa livre, a mesma Argentina reescrevendo os livros de História, a Venezuela desmantelando as TVs independentes e o Egito apreendendo computadores e smartphones de ONG’s internacionais?


Que tal o México então, onde o acesso da internet é livre mas onde blogueiros que abrem o bico sobre o narcotráfico são executados e pendurados mortos em locais públicos?


Internet não é livre por si só e nem liberta por si só.


Pior: não existe A internet, existem várias internets. A China censura e monitora sua internet, empresas monitoram tudo o que os funcionários fazem e mesmo empresas de telefonia interferem naquilo que você pode ou não fazer com seu celular (se você tiver $$$ pra pagar as taxas extorsivas, claro)…


Google e Facebook são caixas-pretas que filtram o que você vê sem avisar nem explicar como. Sites globais como Yahoo e Google têm que ceder a governos locais para poder funcionar…


Internet nasceu na academia, filha de acadêmicos sonhadores. Como bom filhote, caiu na vida e perdeu a inocência pra sempre.


Well, fico feliz que o Cerf tenha tido essa postura tão correta e sóbria. Deve ser um mico ter que dizer se algo é ou não um Direito Humano universal e atemporal e inalienável, mas eu acho que um bom termômetro pra todos nós, meros mortais, avaliarmos a questão é uma pergunta simples: é desumano privar um cidadão daquilo?


Pense no Egito: os caras cortaram a internet mas mesmo assim o povo foi pra rua e até hoje não saiu de lá. Está faltando a garotada mimada daqui, com grana pra iPads e iPhones e planos ilimitados e banda larga, tirar a cara das telinhas e ir à luta pelos seus outros Direitos Humanos que andam bem mal das pernas. Quem sabe se desligarem a internet?

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